| Abstract: | A pandemia da Covid – 19 trouxe inúmeros desafios aos governos e populações que foram afetados por ela. Notadamente, países em desenvolvimento – como o Brasil, sofrem de forma mais intensa, por conta das desigualdades sociais que produzem desenfreadamente condições e subjetivações precarizadas, aliadas a medidas governamentais que não tomam como prioridade o bem estar social através de ações em políticas públicas e sociais – fundamentais em situações de emergência global. As dificuldades cotidianas experienciadas por grupos sociais considerados historicamente mais vulneráveis, como mulheres, LGBTQIA+, negros, periféricos, desabrigados - entre outros, coexistem anterior ao início da pandemia, mas são potencializadas em situações de crise, gerando inevitavelmente instabilidade em todos os setores de vida. Neste trabalho, as condições subalternas vivenciadas por mulheres brasileiras no percurso da pandemia são tomadas como fio condutor deste estudo. Na internet, a movimentação de grupos em redes sociais promovidos e postos em prática por mulheres é um fenômeno social desde o ano de 2010 no Brasil; quando na tentativa de denunciar situações de abuso e violência, foram construídos fóruns online e outras iniciativas dentro e fora da internet, expandindo as discussões sobre situações vivenciadas por mulheres gerando pontos de tensão entre esfera pública e privada. Grupos privados de mulheres na rede social Facebook constituem o universo desta pesquisa, onde mulheres que fazem parte dos 3 grupos elegidos para este trabalho (Boleto +1, Deprê Club e Rede de Apoio às Mulheres), foram convidadas a participar de entrevistas semidirigidas.As entrevistas tiveram como guia questões relacionadas as trajetórias vivenciadas ao longo da pandemia – contemplando diferentes interseccionalidades de mulheres de 4 partes do Brasil, levando em consideração 4 domínios de poder – estrutural, cultural, disciplinar e interpessoal; envolvendo a compreensão de como se dá a dinamicidade dos grupos – entrada e permanência nestes; a sistematização dos impactos destes grupos online na vida de mulheres brasileiras no contexto da pandemia da Covid – 19 no país. A análise das entrevistas foi realizada a partir de operadores teóricos vinculados a 2 fontes de pensamento: interseccionalidade e autoras que dialogam com o feminismo interseccional e análise do discurso baseada na arquegenealogia foucaultiana. O feminismo interseccional compreende a integração em sua multiplicidade, de mulheres com suas diferenças, particularidades e especificidades na produção de movimentos pelos direitos, pela liberdade em suas complexas nuances e maior emancipação das mulheres na possibilidade real de um mundo mais equânime e (trans) formador. Os atravessamentos e interpelações constituídos a partir da leitura social do gênero – enquanto categoria de análise e de divisão social, também são fundamentais para a construção de um olhar crítico sobre o tema desta pesquisa, uma vez que, a partir da nomeação social do gênero são implicadas uma série de normatizações e lugares a serem ocupados e desocupados através de movimentos de resistência individuais e coletivos. A análise de discurso baseada em pressupostos teóricos de Michel Foucault complementa minuciosamente o percurso deste trabalho, pela proposta de desnaturalização de discursos hegemônicos associados a populações e categorias mais vulneráveis – como às mulheres, a partir da análise das complexas relações de poder instituídas em sociedade.Quanto aos resultados, são apresentados dois eixos de análise e discussão, estabelecendo uma interlocução entre eles no que tange as realidades das mulheres entrevistadas, temas e vivências que foram narrados e contados nas entrevistas. O primeiro eixo é: 1) Governo Bolsonaro e autoritarismo no Brasil: pandemia e o governo da classe dominante. Esse capítulo é dividido em duas partes, sendo elas: a) a ascensão das direitas no Brasil em interface com conjunturas políticas e socias na eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República; e b) a negação da pandemia e a precarização da população. Tal eixo aborda condutas adotadas pelo governo federal para o manejo dos impactos da pandemia na população, com destaque para a o estado de precarização de recursos para subsistência aliadas ao desmonte de políticas públicas e sociais. Já o segundo eixo é: 2) Grupos de mulheres online, capítulo apresentado em duas partes, sendo estas: a) sofrimento ético político, políticas da amizade e o cuidado de si; e b) a solidão das mulheres: abandono do Estado e a completa responsabilização de si. Nele problematiza-se o funcionamento dos grupos selecionados a partir do diálogo entre sofrimento ético-político, políticas da amizade e o cuidado de si e jornadas desamparadas de mulheres, diante do modelo de organização social pautado no sistema patriarcal que radicaliza mulheres a ocuparem lugares sociais inferiorizados, a partir de relações de poder comedidas pelo assujeitamento. Considera-se a importância da ampliação das discussões em diferentes espaços sobre as possibilidades de circulação das narrativas de mulheres de todo o país, integrando diferentes interseccionalidades para a melhor fundamentação de políticas que se atentam para suas reais necessidades e realidades biopsicossociais, em interface com o campo político no Brasil contemporâneo.
The Covid-19 pandemic has brought numerous challenges to governments and populations that have been affected by it. Notably, developing countries – such as Brazil, suffer more intensely, due to social inequalities that unbridledly produce precarious conditions and subjectivations, combined with government measures that do not prioritize social well-being through actions in public and social policies – fundamental in global emergency situations. The daily difficulties experienced by social groups historically considered more vulnerable, such as women, LGBTQIA+, black people, people from the periphery, the homeless, among others, coexist before the start of the pandemic, but get exacerbated in crisis situations, inevitably generating instability in all sectors of life. In this work, the subaltern conditions experienced by Brazilian women in the course of the pandemic are taken as the guiding principle of this study. On the internet, the movement of groups in social networks promoted and put into practice by women is a social phenomenon since 2010 in Brazil; when in an attempt to denounce situations of abuse and violence, online forums and other initiatives were built on and off the internet, expanding discussions about situations experienced by women, generating points of tension between the public and private spheres. Private groups of women on the social network Facebook constitute the universe of this research, where women who are part of the 3 groups chosen for this work (Boleto +1, Deprê Club and Rede de Apoio as Mulheres) were invited to participate in semi-directed interviews.The interviews were guided by questions related to the trajectories experienced throughout the pandemic – contemplating different intersectionalities of women from 4 differente regions of Brazil, taking into account 4 domains of power – structural, cultural, disciplinary and interpersonal; involving the understanding of how the dynamics of the groups occurs – entry and permanence in them; the systematization of the impacts of these online groups on the lives of Brazilian women in the context of the Covid-19 pandemic in the country. The analysis of the interviews was carried out based on theoretical operators linked to 2 sources of thought: intersectionality, and authors who dialogue with intersectional feminism and discourse analysis based on Foucauldian archegenealogy. Intersectional feminism comprises the inclusion in its multiplicity, of women with their differences, particularities and specificities in the production of movements for rights, for freedom in its complex nuances and greater emancipation of women in the real possibility of a more equitable and (trans) formative world.The crossings and interpellations constituted from the social reading of gender – as a category of analysis and social division, are also fundamental for the construction of a critical look at the theme of this research, since, from the social naming of gender, a series of norms and places to be occupied and vacated through individual and collective resistance movements, are implied. Discourse analysis based on Michel Foucault's theoretical assumptions thoroughly complements the course of this work, by proposing the denaturalization of hegemonic discourses associated with more vulnerable populations and categories – such as women, based on the analysis of the complex power relations instituted in society.As for the results, two axes of analysis and discussion are presented, establishing a dialogue between them regarding the realities of the women interviewed, themes and experiences that were narrated and told in the interviews. The first axis is: 1) Bolsonaro government and authoritarianism in Brazil – pandemic and the ruling class government. This chapter is divided into two parts, namely: a) the rise of the right in Brazil in interface with political and social conjunctures in the election of Jair Bolsonaro to the Presidency of the Republic; and b) the denial of the pandemic and the precariousness of the population. This axis addresses conduct adopted by the federal government to manage the impacts of the pandemic on the population, with emphasis on the precarious state of resources for subsistence combined with the dismantling of public and social policies. The second axis is: 2) Online women's groups, chapter presented in two parts, namely: a) political ethical suffering, friendship policies and self-care; and b) women's loneliness, abandonment of the State and complete self-responsibility. It problematizes the functioning of the selected groups based on the dialogue between ethical-political suffering, friendship policies and self-care and helpless journeys of women, in view of the model of social organization based on the patriarchal system that radicalizes women to occupy social places inferiorized, based on power relations tempered by subjection. It is considered the importance of broadening discussions in different spaces about the possibilities for the circulation of narratives by women across the country, integrating different intersectionalities to better support policies that pay attention to their real needs and biopsychosocial realities, in interface with the political field in contemporary Brazil. |
