Resumo: | Introdução: examinar os fatores que estão associados à manifestação da depressão ampara-se
no fato de ela ser uma doença de alta prevalência em idosos. Além disso, a exposição às
situações adversas, principalmente no período da infância, parece ter importante influência na
manifestação da depressão. Objetivo: estudo transversal que visa examinar a relação entre
maus-tratos na infância com depressão em idosos, a partir do banco de dados originado pelo
Estudo Epidemiológico e Clínico dos Idosos cadastrados na estratégia de saúde de Porto
Alegre (EMI-SUS). Método: a amostra é aleatória e composta por 449 idosos cadastrados na
Estratégia Saúde da Família (ESF) do município de Porto Alegre e que vivem em baixa
condição socioeconômica. Foi estimada a prevalência de situações adversas sofridas na
infância, reportada por idosos e medida através do Questionário de Traumas Infantis (CTQ),
com o intuito de examinar associações com fatores sociodemográficos e depressão geriátrica
atual, obtida através da Escala de Depressão Geriátrica de 15 itens (GDS-15). Resultados: a
amostra foi prevalentemente feminina (64,1%), com idade entre 65 e 75 anos (46,1%), de
brancos/caucasianos (67,2%). A maioria detinha nível de educação formal muito baixa, de 4
anos ou menos (35,4%), com uma parcela significativa de analfabetos (25,8%). Quanto à
renda, 57,7% da amostra recebia valor menor do que 1 (um) salário mínimo ou não tinha
nenhuma renda (8%). A depressão foi mais prevalente em idades mais avançadas (31,6%),
negros (33,9%), analfabetos (39,7%), sem renda (44,1%) e divorciados (33,2%). Em relação
às experiências de maus-tratos, muitos sujeitos relataram ter sofrido algum tipo abuso ou
negligência durante a infância (35,7%). Observaram-se frequências mais altas nos relatos de
Negligência Emocional (47,3%) e Abuso Emocional (43,5%). Os subtipos de maus-tratos
apresentaram odds ratio e IC 95%: Negligência Emocional [2.822 (1.698-4.692)], Abuso
Emocional [2.252 (1.351-3.754)], Negligência Física [1.912 (1.179-3.103)], Abuso Físico
[1.754 (1.076-2.861)], sendo que todos foram associados independentemente com a depressão
geriátrica atual. A depressão grave foi associada de forma significativa com Abuso Emocional
[4.193 (1.752-10.036)], Negligência Emocional [3.543 (1.489-8.429)] e Abuso Físico [3.014
(1.245-7.296)]. Na sobreposição de maus-tratos, no modelo ajustado, uma razão de chance
crescente de depressão geriátrica atual foi encontrada, em que foram associadas de forma
significativa para dois [3.298 (1.600-6.796)], três 3.108 (1.359-7.111), quatro [3.813 (1.643-
8.933)] e cinco [4.394 (1.300-14.853)] experiências de maus-tratos. Uma relação crescente
entre sobreposição de maus-tratos e depressão foi observada nos grupos com depressão grave,
sendo significativos os resultados da sobreposição de três [4.570 (1.286-16.235)] e de quatro
[5.666 (1.602-20.034)] tipos de experiências de maus-tratos Conclusões: os principais
achados mostram que indivíduos que apresentaram depressão geriátrica atual relataram ter
sofrido mais abuso e/ou negligência física e emocional. Ademais, há indícios que abuso e
negligência emocional em conjunto com a sobreposição de experiência de maus-tratos têm
contribuído para a severidade da depressão. Ressalta-se que esses elementos foram
encontrados dentro de um contexto relevante, de uma população homogênea, multiétnica, de
baixa renda e de baixa escolaridade Introduction: Depression is a highly prevalent disease in the elderly, warranting further
investigation of the factors associated with its occurrence. In addition, exposure to adverse
conditions, especially in childhood, would appear to have an important influence on the
manifestation of this disease. Objective: A cross-sectional study aimed to examine the
relationship between maltreatment in childhood with depression in the elderly, based on data
originating from the research, Epidemiological and Clinical Study of the Elderly, enrolled in
the health strategy of Porto Alegre (EMI-SUS). Methods: A random sample comprised of 449
elderly participants, living in low socioeconomic conditions, and enrolled in the Family
Health Strategy (FHS) program in the city of Porto Alegre. The prevalence of adverse
childhood experiences was estimated, as reported by the elderly and measured using the
Childhood Trauma Questionnaire (CTQ), with the aim of examining associations with
sociodemographic factors and current geriatric depression, obtained from the 15-item
Geriatric Depression Scale (GDS-15). Results: The sample was predominantly
white/Caucasian (67.2%), female (64.1%), and aged 65-75 years (46.1%). The majority had a
personal income of less than one minimum salary (57.7%) or had no income (8%), and had a
very low formal education level of 4 years or less (35.4%), with a significant number being
illiterate (25.8%). Depression was more prevalent in the elderly of a more advanced age
(31.6%), divorced (33.2%), black (33.9%), illiterate (39.7%), and with no income (44.1%).
Many participants reported experiences of maltreatment during childhood, having suffered
some form of abuse or neglect (35.7%). Higher frequencies of emotional neglect (47.3%) and
emotional abuse (43.5%) were observed in the reports. The odds ratios with 95% confidence
intervals for the maltreatment subtypes were: Emotional Neglect [2.822 (1.698-4.692)],
Emotional Abuse [2.252 (1.351-3.754)], Physical Neglect [1.912 (1.179-3.103)], and Physical
Abuse [1.754 (1.076-2.861)], all of which were independently associated with current
geriatric depression. Severe depression was significantly associated with Emotional Abuse
[4.193 (1.752-10.036)], Emotional Neglect [3.543 (1.489-8.429)], and Physical Abuse [3.014
(1.245-7.296)]. In the adjusted model considering the overlapping of maltreatment, a rising
odds ratio was found for current geriatric depression in which it was significantly associated
with two [3.298 (1.600-6.796)], three 3.108 (1.359-7.111), four [3.813 (1.643-8.933)] and five
[4.394 (1.300-14.853)] types of maltreatment experience. Conclusion: The main findings
revealed that individuals presenting current geriatric depression more frequently reported
having suffered physical and emotional abuse and/or neglect. Moreover, there is evidence that
emotional abuse and neglect, coupled with an overlapping experience of maltreatment,
contributed to the severity of depression. It is important to note that these elements were
found within the context of a low-income, low-education level, homogeneous and multiethnic
population. |