Produção de sentidos e práticas de cuidados em saúde mental em comunidades remanescentes quilombolas do Vale do Guaporé, RO

Abstract

Este estudo propôs compreender os sentidos produzidos no cotidiano de comunidades remanescentes quilombolas do Vale do Guaporé, no Estado de Rondônia, relacionados à saúde/doença mental. Além disso, investigou as práticas de cuidados em saúde mental realizadas pelos membros dessas comunidades e também pela equipe de saúde que presta atendimento a estas. O estudo foi organizado em duas seções: uma teórica e uma empírica. Na seção teórica, apresenta-se um estudo de revisão sistemática da literatura (Estudo I), o qual teve por objetivo identificar estudos sobre saúde mental desenvolvidos junto a populações quilombolas e se esses estudos consideram os determinantes sociais da saúde para compreender o processo de saúde e doença dessa população. Os resultados evidenciaram os indicadores sociais e econômicos como fatores associados à condição de saúde e saúde mental dos remanescentes quilombolas. A seção empírica foi composta por dois estudos de abordagem qualitativa, transversal e de caráter exploratório. As informações foram coletadas por meio de entrevistas abertas, rodas de conversa, observação sistemática e diário de campo e analisadas de acordo com a técnica da Análise do Discurso, influenciada pela perspectiva do Construcionismo Social, especialmente pela Psicologia Discursiva. O Estudo II, que compõe essa seção, foi realizado com seis profissionais da área da saúde e objetivou descrever os sentidos produzidos que revelam desigualdade e exclusão social na assistência à saúde em três comunidades quilombolas da região do Vale do Guaporé. Os discursos apresentados por meio das falas permitiram a identificação de quatro repertórios interpretativos, a saber, 1) A construção social do remanescente quilombola a partir da diferença: cordialidade, atraso e desinteresse; 2) Entraves na atenção: distanciamentos teóricos e práticos e (i)mobilidades; 3) Problemas de saúde mental na comunidade; e 4) Aspectos sociais, culturais e simbólicos como práticas de cuidado em saúde mental pela comunidade. O Estudo III teve por objetivo compreender como os remanescentes quilombolas de duas comunidades do Vale do Guaporé produziam sentidos sobre saúde mental. Participaram como informantes nesse estudo 18 remanescentes de quilombolas de ambos os sexos. Por meio do recurso teórico-analítico das práticas discursivas dos participantes, pôde-se observar que, nessas comunidades, a construção social da doença mental mantém-se em um conceito próprio de reconhecimento e formas de lidar com as patologias. Além disso, o uso de recursos alternativos no cuidado à saúde mental, como os chás de ervas naturais e as práticas religiosas, como rezas e benzimentos, faz-se presente no cotidiano das comunidades. Para a maioria dos participantes o consumo de bebidas alcoólicas é entendido como costume e tradição da comunidade. Os resultados, ainda, sugerem a necessidade de viabilização de políticas públicas que melhorem a infraestrutura de acesso às comunidades, além de implementação de programas de capacitação e formação continuada dos profissionais em saúde da população negra.

This study aims understanding the meanings produced during the everyday lives of the remaining communities of the Guaraporé Valley, in the state of Rondônia, related to health/ mental illness. Furthermore, we investigate care practices of mental health performed by members of these communities and also by the health team that provides care to these quilombola communities. The study was organized in two sections: a theoretical and an empirical. In the theoretical section, we present a systematic review of the literature (Study I), which had as objective to identify studies on mental health developed with quilombola communities and if these studies consider social determinants of health to understand the health and illness process of these populations. The results highlighted social and economic indicators as factors associated to the health and mental health conditions of the remaining quilombola. The empirical section was composed by two studies of qualitative, transversal and exploratory approach. Information was collected through open interviews, conversation circles, systematic observations and field diary, and later analyzed according to the Discourse Analysis technique, influenced by the perspective of Social Constructionism, especially by the Discursive Psychology. The second Study, which composes this section, was performed with six health professionals, and had as objective to describe the meanings produced by them that revealed inequality and social exclusion in the assistance to health in the three quilombola communities of the Guaporé Valley. The discourses presented through the speeches allowed the identification of four interpretative repertoires, namely 1) The social construction of the remaining quilombola from the difference: cordiality, delay and lack of interest; 2) Obstacles in attention: theoretical/practical distancing and (im)mobilities; 3) Mental health problems in the community; and 4) Social, cultural and symbolic aspects as mental health care practices by the community. The third Study had as objective to understand how the remaining quilombola of two communities in the Guaporé Valley produce meanings on mental health. Participated in this study 18 quilombola of both genders. Through the theoretical-analytical resource of the participants discursive practices, it can be noted that, in these communities, the social construction of the mental health is kept in an own recognition concept as well as how to deal with these pathologies. In addition, the use of alternative methods in mental health care, such as natural herbs teas and religious practices with prayers and blessings are common in the daily lives of the communities. For most of the participants, the consumption of alcoholic drinks is understood as the custom and tradition of the community. The results also suggest the need to make public policies feasible to improve community access infrastructure, as well as the implementation of training and continuing education programs for health professionals of the black population.