Resumo: | Introdução: O Brasil é um país com dimensões continentais, com mais de 207 milhões
de habitantes, sendo aproximadamente 30 milhões de crianças e 35 milhões de
adolescentes. A desigualdade socioeconômica brasileira e a multiculturalidade nas
diferentes regiões do país interferem em diversos aspectos do desenvolvimento humano
e na saúde da população em geral. Os distúrbios do sono (DS) são frequentes na infância
e adolescência. As taxas de prevalência em diferentes locais do mundo variam de 20 a
40%, mas no Brasil esse número ainda é pouco conhecido. Os DS estão relacionados
com aspectos comportamentais, ambientais e sociais, sendo importante seu
reconhecimento precoce para o adequado manejo clínico. Objetivos: descrever as
características do sono em crianças e adolescentes brasileiros, verificar a prevalência de
DS e a associação com aspectos perinatais, regiões brasileiras e níveis socioeconômicos.
Método: Estudo exploratório, transversal e contemporâneo, envolvendo crianças e
adolescentes brasileiros, de 0 a 19 anos, investigados por faixas etárias, regiões do país
e níveis socioeconômicos. A amostra do estudo foi de 1.180 indivíduos, sendo
investigadas proporcionalmente faixas etárias estratificadas de acordo com os
instrumentos de avaliação (0-3 anos; 4-12 anos e 13-19 anos), as 5 regiões do Brasil
(Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e os 5 níveis socioeconômicos (baixo,
médio baixo, médio, médio alto e alto), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE. Foram incluídos no estudo todos os sujeitos dentro da faixa etária
estipulada, com consentimento dos pais e/ou responsáveis e assentimento da
criança/adolescente. Os dados foram coletados de forma on-line, utilizando instrumentos
específicos de avaliação do sono, nas versões validadas para uso no Brasil: 0-3 anos
(“Brief Infant Sleep Questionnaire – BISQ”); 4-12 anos (“Sleep Disturbance Scale for
Children – SDSC”); 13-19 anos (“Epworth Sleepiness Scale – ESS” e “Pittsburgh Sleep
Quality Index – PSQI”). Os dados foram analisados no Software SPSS 11.0 for Windows.
As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência e porcentagem. As variáveis
contínuas foram apresentadas em média, desvio-padrão, valor mínimo e valor máximo.
Análises bivariadas foram conduzidas por regressão logística simples e usadas no modelo
de regressão logística múltipla, através do estatístico de Wald. As variáveis com P≥0,150
(seleção metódica para trás) foram uma a uma, eliminadas do modelo, comparadas pelo
teste da razão de verossimilhança. Foram estudadas as possíveis interações entre as
variáveis e aquelas com significância superior a 0,05 foram estudadas como possíveis fatores de confusão, considerando-as como tal se a porcentagem de alteração dos
coeficientes fosse maior que 15%. Significância estatística foi considerada para P≤0,05.
Distúrbios do sono foram classificados conforme os critérios originais das escalas
utilizadas. Resultados: Foram preenchidos 1.250 questionários, sendo excluídos 70 com
dados incompletos, totalizando uma amostra de 1.180 indivíduos, sendo 350 de 0 a 3
anos (90 até 1 ano de idade), 450 de 4 a 12 anos e 380 de 13 a 19 anos. A taxa de coleito foi de 38,9% em menores de 1 ano e 16,9% em crianças de 1 a 3 anos. Com relação
à posição de dormir, 68,8% dos menores de 1 ano dormem de barriga para baixo ou de
lado. Hábitos inadequados antes de dormir foram observados nas crianças até os 3 anos
de idade, como assistir televisão (10,9%). A média de tempo de sono noturno (9h30min)
foi abaixo dos parâmetros apropriados. Apesar de 78% dos responsáveis não
considerarem o sono da criança um problema, 44,3% deles perguntam eventualmente
sobre o sono ao pediatra. Porém, somente 15% dos pediatras questionam sempre sobre
o sono da criança nas consultas de rotina. Nas crianças de 4 a 12 anos, 64,8% apresentou
hábitos inadequados antes de dormir, com destaque para os que assistem televisão
(25,6%). A taxa de co-leito foi de 47,1% (eventual), 13,5% (frequente) e 10,9% (sempre).
A média de tempo total do sono noturno (9h15min) pode ser considerada abaixo dos
parâmetros recomendados. Nessa faixa etária, 42,2% dos responsáveis questiona o
pediatra eventualmente sobre o sono da criança e apenas 10% dos pediatras perguntam
sempre sobre o sono da criança nas consultas de rotina. Nos adolescentes de 13 a 19
anos, quando avaliados hábitos de sono antes de dormir, observou-se que 69,7%
assistem televisão, 61,1% usam computador, 50,5% usam celular e 49,7% jogam
videogame. A média de tempo de sono noturno dos adolescentes (8h) está no limite
inferior recomendado. Nosso estudo encontrou 25,5% (N=301) como média de
prevalência de DS em toda a amostra estudada, sendo de 20% (N=70) entre 0 e 3 anos
(8% com “mais de 3 despertares noturnos”, 11,4% com “período acordado noturno
superior a 1 hora” e 6,6% com “tempo total de sono menor que 9 horas”); 23% (N=104)
entre 4 e 12 anos (“Distúrbio de início e manutenção do sono”: 22,7%; “Distúrbio de
transição sono-vigília”: 18,4%, “Distúrbio respiratório do sono”: 17,1%; “Distúrbio do
Despertar”: 10,4%, “Sonolência Excessiva Diurna”: 9,3%, “Hiperidrose do Sono”: 9,1%) e
33,4% (N=127) entre 13 e 19 anos, sendo que 52,9% (N=201) apresentaram sonolência
diurna leve e 27,9% sonolência diurna excessiva. Além disso, componentes importantes
de sono foram considerados ruins com relação à qualidade (21,6%), latência (34,7%),
duração (10,8%) e eficiência (6,8%), sendo que 18,4% informaram dificuldade para dormir e 29,7% referiram disfunção diurna. Na faixa etária de 0-3 anos houve aumento
significativo do risco de DS associado às variáveis problemas de saúde atual (OR: 3,72
[1,43-9,66], P<0,01) e naquelas que o responsável considera o sono da criança um
problema (OR: 9,83 [4,74-20,41], P<0,01). Nas crianças de 4 a 12 anos, houve aumento
significativo do risco de DS associado às variáveis hospitalização após o nascimento (OR:
1,86 [1,03-3,37], P<0,05), dorme na cama dos pais (OR: 2,46 [1,27-4,79], P<0,01) e
naquelas que o responsável perguntou ao pediatra sobre o sono da criança nas consultas
de rotina (OR: 2,28 [1,26 – 4,12], P<0,01). Entre os adolescentes de 13 a 19 anos, houve
aumento significativo do risco de DS associado às variáveis uso de medicação (OR: 2,94
[1,48 – 5,84], P<0,01), hábito de jogar videogame antes de dormir (OR: 1,28 [1,14 – 1,54],
P<0,01) e usar o celular (OR: 1,49 [0,88 – 2,53], P<0,05). Em relação a distribuição
regional da prevalência de DS, foram observadas taxas mais elevadas em crianças de 0
a 3 anos na região sudeste (26,1%), de 4 a 12 anos na região nordeste (36,2%) e de 13
a 19 anos na região centro-oeste (44,7%), entretanto, não houve diferença
estatisticamente significativa entre as regiões em nenhuma das faixas etárias. Com
relação ao nível socioeconômico (NSE), foi observado aumento significativo do risco de
DS nas crianças de 0 a 3 anos com NSE baixo (OR: 3,07 [0,80-11,78] P<0,05), de 4 a 12
anos com NSE médio-baixo (OR: 5,36 [1,84-15-62] P<0,01) e de 13 a 19 anos com NSE
alto (OR: 3,81 [1,64-8,85] P<0,01). Conclusão: de acordo com este estudo, crianças e
adolescentes brasileiros apresentam hábitos inadequados para dormir em todas as faixas
etárias pesquisadas, com valores médios de tempo total de sono noturno abaixo do
recomendado. Pais e pediatras preocupam-se eventualmente com o sono das crianças
nas consultas de rotina. A prevalência de DS nas crianças e adolescentes brasileiros pode
ser considerada semelhante às taxas internacionais e está relacionada a aspectos
perinatais e de saúde atual. DS são mais prevalentes em algumas regiões do país e com
maior risco em determinados níveis socioeconômicos. Estes aspectos alertam para a
necessidade de uma atenção maior nas consultas de rotina, com diagnóstico e tratamento
precoce, minimizando os riscos para a saúde da população pediátrica. Introduction: Brazil is a continental country with more than 207 million habitants, with
approximately 30 million children and 35 million adolescents. Brazilian socioeconomic
inequality and multiculturalism in the different regions of the country interfere in several
aspects of human development and in the health of the population in general. Sleep
disorders (DS) are common in childhood and adolescence. Prevalence rates in different
places in the world vary from 20 to 40%, but in Brazil, this number is still little known. SDs
are related to behavioral, environmental and social aspects, and their early recognition for
appropriate clinical management is important. Objectives: to describe the characteristics
of sleep in Brazilian children and adolescents, to verify the prevalence of DS and the
association with perinatal aspects, Brazilian regions and socioeconomic levels. Method:
An exploratory, transversal and contemporary study involving Brazilian children and
adolescents, aged 0 to 19 years, investigated by age groups, regions of the country and
socioeconomic levels. The study sample consisted of 1,180 individuals, and the age
groups stratified according to the assessment instruments (0-3 years, 4-12 years and 13-
19 years), the 5 regions of Brazil (North, Northeast, Central (Low, medium low, medium
high and high), according to data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics
(IBGE). All subjects within the stipulated age range were included in the study, with
parental and / or guardian consent and child / adolescent consent. The data were collected
online, using specific sleep evaluation instruments, in the versions validated for use in
Brazil: 0-3 years (Brief Infant Sleep Questionnaire - BISQ); 4-12 years ("Sleep Disturbance
Scale for Children - SDSC"); 13-19 years ("Epworth Sleepiness Scale - ESS" and
"Pittsburgh Sleep Quality Index - PSQI"). The data were analyzed in SPSS 11.0 for
Windows Software. Categorical variables were presented in frequency and percentage.
Continuous variables were presented as mean, standard deviation, minimum value and
maximum value. Bivariate analyzes were conducted by simple logistic regression and used
in the multiple logistic regression model using the Wald statistic. The variables with
P≥0,150 (methodical backward selection) were one by one, eliminated from the model,
compared by the likelihood ratio test. The possible interactions between the variables and
those with significance higher than 0.05 were studied as possible confounding factors,
considering them as such if the coefficient change percentage was greater than 15%.
Statistical significance was considered for P≤0.05. Sleep disturbances were classified
according to the original criteria of the scales used. Results: 1.250 questionnaires were filled out, 70 were excluded with incomplete data, totaling a sample of 1.180 individuals,
of which 350 were from 0 to 3 years (90 to 1 year of age), 450 from 4 to 12 years and 380
from 13 to 19 years. The co-bedtime rate was 38.9% in children under 1 year and 16.9%
in children aged 1 to 3 years. Regarding the sleeping position, 68.8% of children under 1
year old sleep belly down or sideways. Inadequate pre-bedtime habits were observed in
children up to 3 years of age, such as watching television (10.9%). The mean nocturnal
sleep time (9h30min) was below the appropriate parameters. Although 78% of those
responsible did not consider the child's sleep a problem, 44.3% of them ask about sleep
to the pediatrician. However, only 15% of pediatricians always question the child's sleep
during routine visits. In children aged 4 to 12 years, 64.8% presented inadequate habits
before bed, especially those who watch television (25.6%). The co-bedtime rate was
47.1% (eventual), 13.5% (frequent) and 10.9% (always). The mean total nocturnal sleep
time (9h15min) may be considered below the recommended parameters. In this age group,
42.2% of those responsible question the pediatrician eventually about the child's sleep and
only 10% of the pediatricians always ask about the child's sleep during routine visits. In
adolescents aged 13 to 19, when they assessed sleep habits before bedtime, it was
observed that 69.7% watched television, 61.1% used computers, 50.5% used cell phones
and 49.7% played video games. The average nighttime sleep time of adolescents (8 hours)
is at the lower limit recommended. Our study found 25.5% (N = 301) as mean DS
prevalence throughout the study sample, being 20% (N = 70) between 0 and 3 years old
(8% with "more than 3 nocturnal awakenings", 11.4% with an "agreed-upon night period
greater than 1 hour" and 6.6% with "total sleep time less than 9 hours"); 23% (N = 104)
between 4 and 12 years ("Sleep onset and sleep disturbance": 22.7%; "Sleep-wake
transition disorder": 18.4%, "Respiratory sleep disorder": 17 , "Sleep Disorder": 9.1%) and
33.4% (N = 127) between 13 and 24 hours, 19 years, with 52.9% (N = 201) presenting
with mild diurnal drowsiness and 27.9% excessive daytime drowsiness. In addition,
important sleep components were considered poor in quality (21.6%), latency (34.7%),
duration (10.8%) and efficiency (6.8%), with 18.4% % reported difficulty sleeping and
29.7% reported daytime dysfunction. In the age range of 0-3 years, there was a significant
increase in the risk of DS associated with the current health problems (OR: 3.72 [1.43-
9.66], P <0.01) and those considered responsible the child's sleep problem (OR: 9.83
[4.74-20.41], P <0.01). In children aged 4 to 12 years, there was a significant increase in
the risk of SD associated with the variables hospitalization after birth (OR: 1.86 [1.03-3.37],
P <0.05), sleep in parents' bed (OR: 2.46 [1.27-4.79], P <0.01) and in those who the caregiver asked the pediatrician about the child's sleep during routine visits (OR: 2.28 [1.26
- 4,12], P <0.01). Among adolescents aged 13 to 19 years, there was a significant increase
in the risk of SD associated with medication use variables (OR: 2.94 [1.48 - 5.84], P <0.01),
a habit of playing videogame before (OR: 1.28 [1.14 - 1.54], P <0.01) and to use the cell
phone (OR: 1.49 [0.88 - 2.53], P <0.05). In relation to the regional distribution of DS
prevalence, higher rates were observed in children from 0 to 3 years in the southeast
region (26.1%), from 4 to 12 years in the northeast region (36.2%) and from 13% 19 years
in the central-west region (44.7%), however, there was no statistically significant difference
between the regions in any of the age groups. Regarding the socioeconomic level (NSE),
there was a significant increase in the risk of DS in children from 0 to 3 years old with low
SES (OR: 3.07 [0.80-11.78] P <0.05), from (OR: 5.36 [1.84-15-62] P <0.01) and from 13
to 19 years with high SES (OR: 3.81 [1.64- 8.85] P <0.01). Conclusion: according to this
study, Brazilian children and adolescents present inadequate sleeping habits in all age
groups surveyed, with mean values of total nocturnal sleep time below the recommended
level. Parents and pediatricians eventually worry about children's sleep in routine
consultations. The prevalence of DS in Brazilian children and adolescents can be
considered similar to international rates and is related to perinatal aspects and current
health. DS are more prevalent in some regions of the country and with higher risk in certain
socioeconomic levels. These aspects point to the need for greater attention in routine
consultations, with diagnosis and early treatment, minimizing the risks to the health of the
pediatric population. |